Nirvana Marinho
Na pesquisa cartográfica “BodyTalk no Brasil: uma possível cartografia”, realizada com as terapeutas bodytalkers Ana Marcela Sarria e Daniele Pires (2019), foi uma metodologia capaz de nos levar a realizar um desenho cronológico do BodyTalk no Brasil e também nos possibilitou vislumbrar a evolução deste sistema, desde idealização, criação, estabelecimento de uma associação internacional (IBA, International BodyTalk Association).
Em 2020, outra pesquisa “As articulações e como se faz de um, um todo” reuniu terapeutas bodytalkers em torno da troca de sessões com foco específico, sobre as articulações, embora notadamente qualquer sessão de BodyTalk seja guiada pela prioridade e vínculos que possam aparecer. Foram elas: Alessandra Batistuta, Dani Acosta, Debora Junqueira, Fernanda Marquesin, Rafaela Capote, Myrella Brasil, Nirvana Marinho, Sirlene Aparecida Silva e Soraya Chagas. E desta experiência, surgiu um ensaio que conta de uma metodologia possível para a prática terapêutica que olha para as sessões e sua dinâmica sistêmica e revela quais histórias surgem quando falamos de articulações.
Outra pesquisa ainda, também em 2020-2021, surge para contar do projeto inspirado pela Dra Janet Galipo e encabeçado pela Associação Brasileira de BodyTalk (ABBTS) e cuja coordenação foi guiada por Ana Carolina Vasconcelos, Luciana Pontes, Natasha Mesquita e Nirvana Marinho. O projeto teve o escopo de atendimento com contribuição consciente e variada a pacientes com sintoma ou diagnosticado com COVID-19, em meio a uma pandemia sem precedentes e aumentada pela necessidade de isolamento social. Os atendimentos foram feitos por um grupo de aproximadamente 20 terapeutas de BodyTalk, à distância, entre os meses de junho e setembro de 2020 e a pesquisa que se desdobra daí deve se estender ao longo de 2021.
Essas três citadas pesquisas fazem parte de um cenário importante para o BodyTalk no Brasil. Justamente por se tratar de um sistema de saúde baseado em consciência, BodyTalk é uma abordagem sistêmica que tem sua autorganização, homeostase e evolução constantes.
Muitos terapeutas vêm consolidando na prática clínica do BodyTalk tal perspectiva: suas percepções são evidências da consciência por se tratar de uma abordagem de saúde baseada na expansão do “Eu Sou”. Ou seja, quanto mais conheço do “Eu sou”, da consciência, mais evidências sistêmicas no meu corpo posso perceber, mais holística, mais integrada.
A prática não dualista da consciência, descrita e inspirada por mestres como Ramish Balsekar (1917-2009), Jiddu Krishamurti (1895-1986) e Mooji (Anthony Paul Moo-Young, 1954-) são uma base consistente para o que o BodyTalk entende como expansão de consciência, autoconhecimento e saúde. E isso, por sua vez, é contemporâneo a uma concepção científica do corpo-mente que deságua nas práticas integrativas. O BodyTalk é uma delas e específica na convergência entre ciência e filosofia.
Três autores (homens, isso é um parênteses importante) tornam forte a base científica da qual o BodyTalk repousa: Fritjof Capra, James Oschman e Amit Goswami, aqui eleitos por tantas citações que deles existem nos cursos e palestras do universo do BodyTalk, citados pelo Dr John Veltheim, criador do BodyTalk.
Fritjof Capra (1939-) Ph.D., é cientista, educador, ativista e autor de muitos best-sellers internacionais; um físico e teórico de sistemas nascido em Viena, Capra tornou-se popularmente conhecido por seu livro, “O Tao da Física”, que explorou as maneiras pelas quais a física moderna estava mudando nossa visão de mundo de mecanicista para holística e ecológica. Publicado em 1975, hoje ainda é impresso em mais de 40 edições em todo o mundo.
James Oschman é autor de uma série de artigos inovadores sobre “energia de cura” publicada no “Journal of Bodywork and Movement Therapies”. Esses artigos foram agora desenvolvidos em dois livros, “Energy Medicine: The Scientific Basis” (2000) e “Energy Medicine in Therapeutics and Human Performance” (2003). Esses dois livros fornecem aos cientistas acadêmicos mais céticos uma base teórica para explorar a fisiologia e a biofísica dos medicamentos energéticos.
Amit Goswami (1936-) é físico quântico teórico Dr. Amit Goswami é um revolucionário entre um crescente corpo de cientistas renegados que, nos últimos anos, se aventurou no domínio do espiritual na tentativa de interpretar as descobertas aparentemente inexplicáveis de experimentos curiosos e validar intuições sobre a existência de uma dimensão espiritual da vida. Um prolífico escritor, professor e visionário, Dr. Goswami aparece no premiado documentário, The Quantum Activist.
Segundo Capra, nos últimos trinta anos as ciências têm avançado a tal ponto mudar nossa visão de mundo, nosso paradigma, “levando a uma nova visão da realidade e uma nova compreensão das implicações sociais dessa transformação cultural”. A relação do sujeito que observa e do que é observado muda. A medida em que quem observa pode modificar o que é observado, temos uma nova descrição dessa relação. Novos movimentos estão em jogo, que não são observáveis pelos mesmos métodos científicos conhecidos – aqueles da evidência, da contraprova, da precisão do que é observado.
Capra conta-nos no seu célebre livro “O Tao da Física” (1975, edição original) como a física moderna e atômica acabou por definir não somente toda uma tecnologia de saberes mas também uma cultura de pensamento de muitos decênios e que, no século XX, a ciência subatômica revelou limitações da sua precedente. E foram curiosamente as tradições filosóficas e religiosas do Extremo Oriente que trouxeram luz as descobertas científicas que encontraram limites a descrição do mundo tal como concebia a física moderna. Esse limiar, essa quebra de paradigma trouxe consequências diretas a nossa concepção de corpo, mente e, portanto, saúde e consciência. A descrição científica das propriedades e interações das partículas subatômicas que dizem respeito a composição da matéria vem explicar energia e troca de outros modos, antes descritos lineares na física tal como conhecemos. Os instrumentos e métodos mudaram e a ciência evolui para o encontro com aquilo que chamávamos de místico ou metafísica para um entendimento mais amplo do corpo-mente.
Uma das principais bases que norteiam a formação do terapeuta de BodyTalk é justamente compreender o salto conceitual da concepção cartesiana do corpo – aquele que o separa de uma substância que o move e a parte movente – para uma concepção holística e sistêmica – a soma das partes é maior que o todo (ou seja, não é dividindo as partes que você pode deduzir sobre o todo) e as partes estão em relações dinâmicas e complexas. Esse salto muda toda a dinâmica de observação do corpo e suas bases científicas desaguam na possibilidade de compreender a história do pensamento corpo-mente desde sua divisão até sua recente integração. Mais complexo que isso, desde as tradições orientais, até a descrição do corpo dos antigos gregos até a fundamentação da ciência moderna, essa elipse de transformação do pensamento encontra no século XX um novo fôlego.
James Oschman, em “Energy Medicine – The Scientific Basis” (2000), traz uma perspectiva histórica de como atravessar o paradigma da “energia sutil” ou “força da vida” para uma base biológica e científica de como a energia atua no corpo que data do início do século XX com os estudos sobre bioelétrica de Harold Saxton Burr (1889-1973). Suas descobertas e análises do campo eletromagnético do corpo contam-nos como ocorre a trajetória das informações e como o corpo é um complexo de sistemas. Ou seja, o autor é uma base sobre a qual o entendimento da física quântica pode explicar como energia se comunica no corpo-mente: a partir da trajetória das informações na complexidade que o corpo é. Assim a medicina energética se fundamenta.
BodyTalk é justamente sobre como o corpo reestabelece seu potencial de comunicação como potencial de equilíbrio e sincronia. O corpo-mente gosta de estar em harmonia e sabe reconhecer quando seu fator principal de desequilíbrio se instaura, o estresse. Sabe também reconhecer suas prioridades e sua forma de promover a comunicação, que é a sessão propriamente dita de BodyTalk.
Segundo Goswami:
“o nosso corpo já tem a sabedoria necessária e o mecanismo de cura: precisamos apenas descobri-lo e manifestá-lo. (….) A consciência possui a sabedoria necessária (no seu compartimento supramental), o mecanismo (a escolha de um novo contexto para o processamento mental do significado das emoções) para a cura. Ela tem também o poder de descobrir o que é preciso (o poder de dar o salto quântico do insight) e tem o poder de manifestar o insight, desbloqueando o programa vital, e assim desbloqueando também os órgãos físicos correlacionados, o que reanima as funções apropriadas dos órgãos. (Goswami, 2006, 231).
Amit Goswami em “O médico quântico” (2006) diz que o caminho da cura para a inteligência supramental é justamente a compreensão dessa dinâmica energética. Isso porque “a consciência pode curar a doença, desestruturando e reestruturando o sistema de crenças que lhe serve de base” (Goswami, 2006, 66). Vejamos como isso funciona entendendo quais preconceitos estão em questão.
O materialismo estrito é “a ideia de que tudo é feito de matéria e de seus correlatos, a energia e os campos de força”. Dessa forma, mente e consciência são epifenômenos da matéria. Isso tem como consequência a causação ascendente que faz que toda causa se desdobra de baixo para cima, a partir dos níveis das partículas elementares da matéria até a consciência, restringindo e forçando a equiparar a mente com o cérebro. Tudo seria um mecanismo. Não haveria espaço para aspectos extrafísicos como chi ou prana. Seja a consciência um epifenômeno ou mente e corpo como objetos duais separados, como tudo pode interagir? A questão permanece.
Outro preconceito é a continuidade que orienta tudo para uma causa e que as causas atuam de modo contínuo. Nessa lógica, como explicar as remissõs e curas espontâneas que não são graduais mas repentinas? Outro preconceito ainda diz respeito a crença da localidade que buscam determinar que as causas e efeitos tem um local e que se propagam pelo espaço por meio de sinais num período de tempo finito.
Sobre tais conceitos preestabelecidos, Goswami cita Chopra em seu livro seminal “Cura Quântica” (1989) conta como a mente interage com o corpo por meio de um corpo quântico e que é a consciência que faz a mediação dessa interação. Conta-nos que, na verdade, é uma causação descendente, que é a consciência que parte a cura, e que, de fato, isso ocorre em saltos quânticos e descontínuos. Goswami afirma que “o colapso quântico das ondas de possibilidade é fundamentalmente descontínuo” (Goswami, 2006, 69), sendo também não-local, o que quer dizer que não é o local que determina a cura, mas sim seus movimentos. Surge aí um novo paradigma de pensamento para a medicina – para a concepção de cura, do corpo e mente – que vem explicar, portanto, esses três novos conceitos: a causação descendente, a não-localidade e a descontinuidade.
Com esses conceitos, Goswami sintetiza e amplia a visão da medicina energética, a partir da compreensão do quantum – “um pequeno feixe discreto de energia que não pode mais ser dividido” – e amplifica conceitos já elaborados por seus colegas pesquisadores: que a troca de energia que, antes a física explicava somente linearmente, pode ser observada de outra forma como Capra definiu; que a energia faz parte do processo de cura, organização e comunicação do corpo como observa Oschman. Esses e outros autores compõem uma epistemologia importante das bases científicas de práticas terapêuticas como o BodyTalk.
Concluir esse artigo não é fácil tarefa porque muitas explicações, reflexões e teorias são necessárias para reorientar nossas bases de uma medicina, da ideia de cura, da concepção de corpo mente. Mas convido que seja um primeiro passo para sua curiosidade, para seus sintomas, para suas histórias. O corpo mente pode ter outros caminhos, integrados, para realizar sua “mágica”, seu “mistério” de saber mais de si, de fazer a jornada do “Eu Sou”.
BodyTalk é uma prática terapêutica de saúde e, sobretudo, baseada em consciência. Por isso, compreender suas bases é revisitar conceitos científicos e também filosofar sobre o todo do corpo e suas partes dinâmicas.
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(link atualizado em maio 2021)