Convite à escuta

Celia Barboza dos Santos [1]

Quando recebi o convite para prefaciar a primeira edição do periódico Escuta, fiquei extremamente feliz pois o lançamento aglutina dois temas pelos quais sou encantada; o sistema BodyTalk e o pensamento sistêmico. E a melhor maneira de começar um artigo sobre o BodyTalk System é citando o próprio John Veltheim, criador do método, juntamente com Esther Veltheim.

A evolução do BodyTalk começou há quarenta anos com um sonho. A primeira parte do meu sonho era sobre uma terapia que pudesse transcender o modelo do diagnóstico, seguindo a primeira diretriz do corpo sobre seu próprio processo de cura. Nessa terapia, eu tinha visão do corpo na sua total expressão para decidir sobre suas próprias prioridades de tratamento. A função do terapeuta não era mais orquestrar o processo de tratamento de acordo com uma opinião de diagnóstico. Ao invés disso, a função do terapeuta poderia ser honrar e ser guiado pelo corpo de suas prioridades para cura. A segunda parte do meu sonho era a mesma de muitos seres humanos antes de mim: uma terapia que pudesse oferecer resultados tais que poderiam ser exponencialmente benéficos. No meu sonho, o sistema humano pode permanecer dinamicamente no caminho do seu bem-estar e poderia continuar melhorando mesmo depois que o tratamento tivesse acabado. Em outras palavras, o corpo, com sua própria sabedoria, poderia assumir o controle. A primeira parte do meu sonho se realizou através do que nós chamamos de Sistema BodyTalk. (I Had a Dream, John Veltheim e Esther Veltheim, 2016)

Em 2007, quando conheci o sistema BodyTalk, eu não tinha nenhuma noção do que estava por se abrir para a minha vida. Minha trajetória terapêutica dialoga com muitas práticas integrativas e, interessada em conhecer um método que combinava conhecimentos da fisiologia ocidental com os saberes da medicina tradicional chinesa e conceitos da física quântica, parecia que eu iria aprender mais uma técnica; no entanto o que encontrei foi um passaporte para um sistema de saúde baseado em consciência, numa abordagem de tal forma criativa, que trabalhar com este sistema tornou-se a minha universidade pessoal. A partir daí fiz todas as formações básicas e avançadas e segui o  desenvolvimento, certificando-me como praticante regular e integrando-me como membro da IBA Internacional BodyTalk Association, que é p órgão regulador no mundo.   Provavelmente, um dos grandes benefícios diretos que ser terapeuta BodyTalk me causa, é manter-me uma eterna curiosa, sobre temas diversos.

Nos ambientes das terapias integrativas, onde observa-se a energia como substrato causal, sempre ouvi que precisávamos aprender a pensar fora da caixa, que a energia acende a lâmpada, mas não podemos vê-la e então, por essa razão, existe. Sempre foi muito interessante, mas ainda havia um certo contexto de precisar acreditar, usando essas metáforas. As minhas primeiras experiências com o BodyTalk me surpreenderam muito e eu, simplesmente, não tinha explicações para os resultados. A minha enorme surpresa era em razão de que, tudo que eu fazia antes como terapeuta, dependia de mim, de um determinado conhecimento aplicado de uma forma específica, da minha inferência e interferência para que funcionasse; e a prática do BodyTalk me fazia experimentar uma estranha sensação de que não era eu quem estava pilotando. No BodyTalk, quem guia o processo é a própria pessoa, a partir do que se nomeia como Sabedoria Inata, trazendo as prioridades, revelando as informações, os aspectos que serão abordados e todo o processo é realizado por este mesmo princípio inteligente e altamente criativo.

Duas perguntas eram frequentes na minha mente: como era possível e em que tipos de doenças o método era eficaz; porque eu ainda expressava o conceito de que saúde era a ausência de doença. A primeira questão, sobre como era possível que uma pessoa que não tinha conhecimentos de anatomia, pudesse chegar até o aspecto celular de um órgão, foi rapidamente ficando clara, pois o BodyTalk possui protocolos detalhadíssimos, que funcionam como cartas de navegação, levando o terapeuta a observar as prioridades que estão sendo expressas pelo corpo; desde as funções orgânicas, até as formas como as emoções podem interferir na função orgânica, ou como o clima pode afetar o humor de alguém. Esta atenção ao que é prioridade, e não ao que é um sintoma, faz toda a diferença.

No entanto, a segunda questão, que confundia meu conceito antigo de saúde como sendo ausência de doença, exigiu mais esforços para minha compreensão. O BodyTalk me apresentou o pensamento sistêmico, o universo das possibilidades – que eu já começava a estudar, mas não via aplicabilidade – colocando por terra muitos comportamentos rígidos e ideias pré-concebidas. Olhar para um sintoma sem que, no entanto, haja uma investigação mais profunda, sobre os contextos que possibilitam que um determinado sintoma ou comportamento ganhem força para se expressar, equivale a destacar aquela parte do todo e dizer que não está adequada e não deveria ser como é.

O corpo é um sistema; é corpo-mente e todo o tempo está se expressando; então um sintoma local, pode estar comunicando que algo, num outro lugar, está em sofrimento. O que conhecemos como saúde ou doença são as opções disponíveis, dentro de uma infinidade de potenciais, que a sabedoria inata encontra para revelar histórias. É quando se pode observar, evocar consciência sobre o que está envolvido em uma complexa rede de informações, que comumente simplificamos com um nome diagnóstico. Todo sintoma é, no mínimo, uma grande história. E a Sabedoria Inata é a tendência natural do corpo para se auto regular.

Então, o BodyTalk é um grande sistema de saúde, que contém muitas estratégias, para apoiar o corpo no seu processo natural de auto regulação; esta é a proposta mais criativa que alguém pode encontrar para tratar da sua saúde, em todos os níveis. Quando falamos em sistemas, ou sobre a percepção sistêmica, estamos abrindo um espaço natural para observar que uma parte é composta de outras partes, até a infinitesimal partícula sub atômica.

Podemos admitir isso quando colocarmos em perspectiva a família. Nosso corpo não difere em absolutamente nada desta proposta. Somos um corpo alimentar, mas também somos um corpo essencial ou consciencial. A perspectiva de pertencimento é sistêmica, pois só ocorre em razão de uma parte se reconhecer em relação a um todo e a forma como a comunicação, os relacionamentos entre as partes, estão acontecendo. Então, como temos certeza de quem somos? 

Existe uma identidade, porque o meio sistêmico, que inclui família e ambiente, atuam para que a pessoa exista como indivíduo; quer dizer que, todo o tempo, temos muitos referenciais, programações e crenças, nos informando o que deveríamos ser e como precisamos nos comportar para sermos aceitos.

Para que se construa um corpo, uma pessoa, muita coisa aconteceu antes; e muitas delas estão agindo como informações desorganizadoras do equilíbrio. O fato de o BodyTalk ser um sistema, possibilita que esta perspectiva ampla e profunda, com tantos conteúdos diversamente registrados na experiência, se torne observável.

A criatividade no sistema BodyTalk, vem da possibilidade de observar as informações se expressando de modo não linear, não local, independente da lógica de tempo e espaço, apoiando o sistema corpo mente, para que encontre opções mais saudáveis para expressar-se. No BodyTalk, as sessões são conduzidas pelo praticante com total atenção ao que acontece no momento presente; o terapeuta está lá com o cliente, plenamente, sem julgamento de valor, praticando a escuta em níveis amplos. Há uma escuta de fato, daquilo que pode ser dito; mas principalmente, há uma escuta do silêncio; daquilo que nunca pôde ser dito; de histórias de uma vida inteira registradas no corpo; de memórias doloridas, marcantes ou singelas; registros inconscientes que, inúmeras vezes, precisam somente de uma respiração profunda ou de uma lágrima, pois palavra não cabe ali. A experiência em uma sessão de BodyTalk pode ser muito reveladora ou extremamente sutil, sugerindo que nada muito profundo está acontecendo, mas trata-se apenas de como a experiência se dá para cada um. E tudo isso segue, estritamente, os caminhos e ritmos delineados pela sabedoria inata.

Tendo a sentir a terapia como arte, pois antes de ser terapeuta eu dançava. E na escola onde estudei, havia duas meninas surdas que faziam balé clássico. Era um mistério como elas sabiam, no sentido do saber profundo, todos os compassos e ritmos da música! Hoje, eu compreendo mais claramente este jeito de escutar com o corpo inteiro, trata-se de estar com o coração disponível para a experiência, em estado de atenção e presença.

O BodyTalk faz este percurso, de escutar de perspectivas diferentes, já que esta escuta é feita sempre a partir do conjunto cliente/terapeuta, e desta energia única emergem questões sistêmicas; escutar é um “ato contínuo”. Reverberando em ondas para os vários níveis do ser. De uma certa forma o periódico Escuta, convida a todos para esta dança silenciosa. Aqui, terapeutas comparecem como autores, a convite da Nirvana Marinho que é a idealizadora do projeto. Quando a Nirvana se dispôs a ouvir os terapeutas, estava germinando o caminho que resultou neste periódico que, não por acaso, leva o nome de Escuta.
          

A medida em que ela nos ouvia, ondas alcançaram seu cérebro, seu coração e se expandiram em ações que se materializaram num amplo convite à participação integradora de muitos terapeutas, que puderam também expressar suas experiências e percepções sobre o BodyTalk, permitindo um mapeamento inicial da presença do BodyTalk no Brasil, como você  poderá descobrir lendo o artigo BodyTalk no Brasil: uma cartografia de caminhos possíveis – por Ana Marcela Sarria

O artigo A relação do Livro O Ponto de Mutação e o BodyTalk – por Luciano Flehr, aponta para as bases da teoria dos sistêmicas dinâmicos, trazendo informações precisas para a compreensão das interações entre o ambiente e o ser e a influência que o livro de Fritjot Capra teve na perspectiva sistêmica do Dr. John Veltheim.

Enquanto desenvolvemos a prática do BodyTalk, vamos aprendendo que, assim como no corpo, as relações também adoecem e que este adoecimento é a tentativa do sistema inteiro revelar que há algo muito importante acontecendo, no artigo BodyTalk como sistema, é sobre como relacionar-se – por Nirvana Marinho, fica evidente a indivisibilidade do ser, a integração entre ser e ambiente, desde a perspectiva sistêmica.

Para contar um pouco mais sobre pertencimento, o texto que é quase um poema, Sistema BodyTalk – por Claudia Morum Xavier Lapa, nos presenteia com a perspectiva sistêmica familiar. Assim como cada membro da família tem seu lugar, o corpo reflete este processo; ou será que é o contrário?

Observando tudo isso, eu me lembro do sonho do próprio Dr. John, que nos presenteia com uma entrevista imperdível, conduzida e transcrita pela Verena Kacinskis, contando como seus insights foram tomando forma para criar um sistema de saúde baseado em consciência.

O BodyTalk é exatamente assim. Escutamos a fala, escutamos o silêncio, escutamos a diversidade; os conflitos e movimentos criativos que, desde sempre, o sistema corpo-mente quer revelar nas relações com toda a história pessoal e o mundo em que vivemos, estando pronto para melhor se comunicar, sincronizar, equilibrar e caminhar com mais saúde. O convite é para leitura, mas é como uma proposta para ouvir, atentamente, no vibrato profundo do seu coração; assim como aquelas duas meninas no balé. Aproveita a entrada do inverno, se aconchega e escuta o que nosso coração te oferece. Escuta.

Celia Barboza dos Santos

Junho 2020


[1] BodyTalk System (CBP),PaRama Body Talk 1, Eastern Medicine, Master Programação Neurolinguistica, Terapias Integradas da Respiração, Constelação Familiar.

@Celiabarbozaterapeuta
Celia@celiabarboza.com

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(link atualizado em maio 2021)