Amanda, te vejo e, ao ver, toco suas palavras
Te escrevo em pleno dia dos namorados – “love is in the air”…. vou colocar essa música, espera.
Pronto.
Acho que escuta e pele deviam ser um sentido só – brincadeira rs acho nossa arquitetura corpomente linda demais como é! Mas estou mesmo tocada pela sua carta, me sentindo escutada e tendo o prazer de te ler/escutar, tocada pelo dia, pelo amor ou simplesmente pela possibilidade dele. Mas, sobretudo, acima de tudo, contudo, pelo desejo!
Queria lhe falar hoje sobre desejo (acho que ando vendo muitas aulas de psicanalistas rs).
Sim, a carta será cheia de rs (e espaços).
Desejo porque é mesmo muito difícil esse “negócio de escuta”. Nem mesmo somos por vezes capazes de ouvir porque estamos muito ocupados com tanto barulho. Assim como não sentimos mais do mesmo jeito um beijo porque enviamos muitos bjs e nem mesmo um abraço porque abreviamos nossa conexão às telas.
De certa maneira, me parece que o toque é ainda sim, com tudo isso, muito fascinante porque parte do desejo. Seja pela falta ou pela ausência, é no contato que nos realizamos. Isso se dá na esfera íntima mas também no fora do que antes era dentro. Parte de algo muito íntimo dentro de nós a busca de intimidade fora de nós. E é aqui, nas relações de toda sorte (adorei o uso dessa palavra em sua carta, que lindeza), que nos realizamos. Damo-nos conta. Apercebemos. E na percepção, nos sentimos vivos. Desejamos para lembrar que estamos vivos. E então, toda esfera lírica, as vezes fantasiosa (pontes quebradiças aqui), as vezes madura (caminhos peregrinos aqui, a dois ou não), a esfera do desejo dá sentido à escuta. E o toque é o meio pelo qual. Queria por vezes que todos nós tivéssemos o dom do “toque de midas” não só para as riquezas da vida mas para as relações afetivas. Tudo que tocamos vira amor, dissolve tudo que impede o desejo.
Parece-me que procuramos terapias e nos convencemos que a ajuda é possível porque o desejo da presença é maior do que o orgulho ou resistência em percorrer um novo caminho, terapêutico inclusive. O desejo é motriz, é razão pela qual e sentido pelo qual. Desejo faz o caminho ser algo que acontece a cada passo (e não antes dele). Desejo faz com que, ao darmos o passo, o caminho possa (re)surgir.
O desejo na lida terapêutica é um norte ético e estético. De ambos, paciente e terapeuta. Faz o toque das palavras construirem sentido. Faz o toque (do BodyTalk!) ser leve e sutil. Faz a escuta se ampliar e criar novas perguntas. Com uma nova pergunta, um novo horizonte de si mesmo se abre. O desejo de ser amado/amada, aceita/aceito, aprovado/aprovada – mesmo que deslocado da saúde e da paz – é ainda sim um desejo. Desejo que leva a outras curvas, mas leva a algum lugar. As vezes, ficamos rodando em círculos mas muitos de nós sobrevivemos porque o desejo nos faz continuar em movimento em busca de algo.
O desejo parece um pêndulo, uma inclinação que leva ao movimento. As vezes, contínuo, repetitivo, nos adoece. Outras vezes, leva a uma dança cheia de possibilidades de movimento. Gosto quando o artista vê a tela em branco, ou a primeira linha de um texto e não sabe o que virá depois mas se joga. Improvisa ou articula a arte de fazer movimentos acontecerem. Explora os sentidos a medida em que eles aparecem (tem muito treino e experiência aí…!). Gosto porque é o desejo em ação mais auspiciosa. Desejo de descobrir a medida em que descobre. Não está em busca de um resultado dado; mesmo quando ensaia muito, está sempre aberto e na escuta de tudo e todos. O artista é o desejo sendo amor. É uma entrega genuína a escuta ao tocar os sentidos que surgem, a cada passo, a cada nota. Repito, muito treino, como a vida nos exige também.
Gosto do desejo como uma dança (tendenciosa artista da dança que já fui). Uma sequência de pequenos desejos se realizando a cada movimento. Assim, poderia ser a espontaneidade. A autenticidade que faz da escuta e do toque tão especiais. E também da arte do sabor e do cheiro, a arte do encontro e a arte do que lemos.
Desejar escrever, ler suas cartas tem tornado a Revista Escuta um espaço de arte, como você também é. Foi uma troca de amor e de muita terapia – trabalhando por ou recebendo também. Nesse tempo que trocamos cartas, me recuperei de um tempo de mergulho nas sombras da alma, realizei sonhos, me decepcionei mas também me admirei, recebi e dei numa medida em que a maturidade vai equilibrando. Sobretudo, fico agradecida pelo movimento da Revista Escuta – assim como das entrevistas “Bodytalkers falando de BodyTalk”, da pesquisa “Cartografia BodyTalk no Brasil”, da Jornada Terapias (saiu nova edição, escuta lá), dos podcasts que realizo, do Acervo Medit e das novas abordagens que só são brilhantes em minha jornada pessoal e profissional porque o Sistema BodyTalk é minha base sólida. Sim, esse parágrafo é um gesto de amor pela nossa carreira, mas também um desejo que se propague, como são estes projetos que realizei. Fiz por desejo de estar em movimento. Pedi licença a nossa editoria atual para deixar esse registro, esse toque impresso na pele da história.
Tenho um novo desejo para o Escuta em 2025. Mas como todo desejo, fica suspenso no ar esperando o próximo impulso de mover-se.
Me conta dos seus movimentos e desejos para fecharmos com sua poesia a 10a. edição da Revista Escuta?
Com amor nos movimentos,
Nirvana
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