As pequenas mortes que nos preparam para voltar para Ela
Ana Paula Malagueta Gondim 1
“Somos feitos do corpo da Mãe Terra e para o seu ventre todos retornaremos;
entoe sua canção da morte e celebre voltar para a casa.”
– provérbio dos índios shawnee
Ela. Quem seria Ela? Na verdade, a melhor pergunta seria: quem não é Ela? Porque tudo é Ela. Ela é a Grande Deusa, a Divindade Feminina que foi esquecida, excluída, diminuída, suprimida e até mesmo, demonizada na história da nossa humanidade. Ela que representa uma tríade importantíssima que é a vida-morte-vida, como já bem disse Clarissa Pinkolá Estés, autora do clássico “Mulheres que correm com os lobos”. Mas, por que falar dEla? Porque falar dela é falar das deusas e falar das Deusas é falar de vida, mas também é falar de morte. E falar de morte pelo olhar das deusas é falar de um lugar bem particular e peculiar, um lugar que esquecemos.
Eu cresci acreditando que a morte era algo incrível ao qual tínhamos que aspirar. Porém, muito pautado em minha experiência pessoal com a mitologia e cultura egípcia, eu chorava e me emocionava com as imagens, histórias e com toda a construção de uma história pensando no momento da passagem e na busca pelo que vinha depois da vida. Na minha cabeça infantil, a morte era uma viagem luxuosa que faríamos e iríamos encontrar os deuses e as deusas e seguiríamos viagem. A vida não acabaria, ela apenas continuaria de outra forma e em um outro lugar. “O sol se levanta todos os dias em renovada força e vigor, e a renovação da juventude em uma vida futura era a meta e o objeto de todo crente egípcio.”1 Sendo assim, era um processo de renovação, pois a vida é eterna apenas a nossa existência corpórea é transitória e impermanente.
Esse foi meu primeiro contato com uma cultura e crença diferente da qual estava inserida e que na verdade ainda não tinha consciência. Só a tive quando as primeiras mortes próximas a mim começaram a acontecer. Senti-me dilacerada, partida ao meio e sem chão. Tive clareza que uma morte significa perder uma referência. Como uma ilha ou cidade que é engolida pelo mar e pela terra que deixa de existir. Tomei consciência de como a morte é temida, negada, ignorada, evitada e malvista em nossa cultura ocidental no geral, que é onde estou inserida. E só posso falar por mim e pelo que conheço. As mortes foram vindo e não eram daquele lugar bonito que eu vislumbrava antes. Cheio de celebrações, honrarias e “festas”. Era um lugar onde ninguém podia falar sobre, um lugar que se evitava ou um lugar que se temia. Ao ponto de ouvir de pessoas familiares próximas: bate na boca, não fala sobre isso. Como se a morte fosse uma convidada que ninguém queria receber. Ao mesmo tempo, que via por um outro lado, uma certa banalização. Tudo mundo vai morrer, para que dar atenção a isso? A morte é inevitável, então, não vou perder meu tempo com isso. “As pessoas frequentemente comentem o erro de ser frívolas em relação à morte e pensam: Ora, a morte chega para todo mundo. Não é nada de mais, é apenas natural. Tudo irá bem para mim. Essa é uma bela teoria; até que se esteja morrendo.”2
Evitação e temor versus banalidade e desconsideração. É confuso. Fiquei dividia ao meio. Por um lado, via ao meu redor essa incompreensão e visão bem negativa. Por outro lado, tinha os registros da tradição egípcia toda focada na morte e no que viria após. O que se seguiu foi que, aos 18 anos, comecei a praticar yoga e, ao virar professora, comecei a aprofundar nestas temáticas. No entendimento da transitoriedade, mas, ao mesmo tempo, na compreensão tântrica não-dual de que tudo, absolutamente tudo, é sagrado e divino. Sendo assim, a morte também seria. Certo, somos transitórios como materialidade de um corpo que experimenta uma existência, mas somos eternos, porque a existência é um único fio que segue por toda a eternidade da alma. Ela começou no instante da criação e nunca terminou. Porque “a morte não existe, é apenas uma mudança de mundos,” diz o provérbio dos índios duwamish. Ou seja, ela não existe no conceito ou forma como a compreendemos: como uma separação ou como um fim total – uma aniquilação. Mas, sim, como parte de um grande processo de vida-morte-vida.
Isso ficou absolutamente mais claro quando mergulhei no universo das deusas e compreendi que isso não acontece de forma linear, mas de forma espiral. Portanto, não há uma vida ou uma morte, há vida-morte-vida, realmente. E nós experimentamos isso o tempo todo em nossas vidas. Há diversas perspectivas e formas de se viver a morte e, ao compreender isso, ela já não é mais temida, mas sim, incorporada ao viver e aprendida diariamente. As deusas me ensinaram a olhar a morte de forma mais ampla. Não apenas como algo que irá acontecer uma única e determinante vez, mas como pequenas mortes que vão acontecendo várias vezes ao longo da vida para irmos aprendendo a nos relacionar melhor com elas.
O primeiro ponto de partida, veio da compreensão de que a primeira forma de ritual que houve na humanidade foi durante o sepultamento. Desde a forma como o corpo era colocado, seja na posição fetal, seja com a cabeça e os pés em direções específicas (que vamos encontrar no Egito também), até objetos e oferendas enterradas juntas. Desde os primórdios, podemos ver que a morte era reverenciada e que o morrer era voltar para o ponto inicial de onde havíamos vindo: o ventre da própria terra. Dela viemos e para ela voltamos ao final. Junto com os rituais de sepultamento temos outro ponto de conexão que é a ancestralidade. A concepção de que parte de nós está ali findando-se, ao mesmo tempo que segue junto de nós. A ideia de que tenham uma boa partida e que sejam bem recebidos e deem continuidade a suas caminhadas.
Os ritos funerários então, existem desde o início dos tempos e foram variando ao longo da passagem do tempo de cultura para cultura. Porém, ambas tinham algo em comum, que era enterrar ou utilizar objetos e símbolos nesses rituais que iriam ajudar o espírito a encontrar seu caminho no outro mundo, como “lamparinas (dacas, greco-romanas), barcos (egípcios, escandinavos), carruagens (celtas), máscaras de proteção, amuletos e imagens (egípcios, gregos, astecas, nativos norte-americanos), armas, moedas para pagar os guardiões e objetos sagrados (escandinavos, celtas, egípcios, citas, gregos).”3 Algo que foi mudando ao longo do tempo e cruzando-se com diferentes crenças como as dos hindus e de algumas tribos nativas e, até mesmo, entre os vikings, que acreditavam que a cremação era a melhor opção para o corpo (matéria) e que, até mesmo os bens pessoais destas pessoas deveriam ser queimados, para auxiliar na libertação do espírito.
Sendo assim, aprendemos olhando para a nossa história, que a primeira forma de ritual foi o sepultamento, que seguiu importante por muito tempo e ainda o é em diversas tradições. Sendo que temos algumas, que são inclusive motivo de festa, alegria e comemoração, como o Dia dos Muertos no México e em diversas culturas asiáticas. É importante conhecermos e entrarmos em contato com culturas diferentes das nossas, para termos outros símbolos e referências para confrontar nossas próprias crenças e serem pontos de encontro, reflexão e até mesmo tomada de consciência. A diversidade é muito grandiosa e libertadora.
Como a morte era de extrema importância para os povos primordiais da terra, as pequenas mortes também o eram. Elas aconteciam durante os ritos de passagem das mulheres e dos homens. Rituais que aconteciam, por exemplo, em cavernas (que também representam o útero da terra, o ventre da Deusa) que também simboliza uma pequena morte – uma transição. Aconteciam também dentro de templos em câmaras profundas e até mesmo, em lugares inóspitos da natureza. Onde a pessoa é largada a própria sorte e precisa morrer de diversas formas para realmente viver. A morte pode ser compreendida também como pequenas transições que vão acontecendo ao longo de nossas vidas.
Nestes dois primeiros pontos, já podemos observar dois temas importantes, que foram esquecidos quando o paradigma patriarcal se estabeleceu e trouxe consigo, entre tantas coisas, a negação da morte (o desejo da vida eterna, da fonte do rejuvenescimento e como “enganar” a morte), assim como a ausência de rituais significativos que ajudavam as pessoas a transitarem com mais facilidade entre momentos importante de transformação interna quanto externa e até mesmo social. Hoje, vivemos em uma cultura que perdeu seus ritos de passagem e proximidade com a morte. Antes, a gente convivia de perto com os nascimentos e com os processos de morte. Eles tinham um significado maior e nós éramos preparados para eles, a vida toda! Hoje, a morte fica relegada muitas vezes a um lugar distante e asséptico, quase que “controlado” e nós temos que lidar a própria sorte com nossas mortes, enquanto vamos “evitando” a morte ao máximo.
Porém, nem tudo está perdido. Além de termos muitas outras culturas diferentes das nossas que podem nos ensinar sobre a morte de outras perspectivas, como o próprio Budismo, Hinduísmo e o Yoga, assim como outras culturas aqui mesmo da América Latina e dos povos tradicionais da terra, podemos aprender sobre ela dentro de nós.
Na tradição da Deusa, a morte é um dos seus aspectos. Ela é a deusa criadora, mas também é a deusa da Morte. As coisas não estão separadas e caminham sempre juntas. Viver é se preparar para morrer ou viver é saber morrer quantas vezes forem necessárias. É interessante notar, que esse lado escuro da Deusa que contém os mistérios da morte e os aprendizados que ela traz, foi conjuntamente com o patriarcado, negada e excluída. Muitas das deusas que tinham essa função e qualidade foram transformadas em demônio e até mesmo mal-ditas. O que diz muito sobre a forma como lidamos com a morte. Como se fosse uma punição ou derrota e não mais como parte natural da espiral da vida ou até mesmo como uma grande conquista e vitória. Desaprendemos a lidar com a escuridão e, assim também, com as deusas escuras. Sendo que, até mesmo Jesus precisou passar pela escuridão para, só depois, ressuscitar. A ressurreição não acontece sem as deusas escuras. Porque luz e escuridão são a mesma coisa.
Através das Deusas e em meu papel como Doula, aprendi que a morte está conosco desde o momento do nascimento. A mulher precisa morrer para que o bebê possa nascer. Tanto que as deusas que estão relacionadas com o parto, são as deusas escuras, como Hécate, por exemplo. Entendemos assim que, a tradição das deusas e seu legado e o mundo como era antes do patriarcado, períodos neolítico e paleolítico até a destruição da deusa pelas culturas patriarcais, o entendimento do mundo era de uma divindade imanente. Sendo assim, tudo era divino e sagrado e a compreensão era mais não-dual. O que facilitava a compreensão da vida, inclusive da morte. É através delas que voltei a tirar de baixo do tapete onde estavam escondidas as deusas escuras e, sendo assim, uma diferente compreensão da morte. Deusas como Hécate, Baba Yaga, Cerridwen, Hel, Kali, Morrigan, Néftis e Auset (Ísis), Deméter e Perséfone, Coatlicue, Arianrhod, Nanã, entre tantas outras.
Elas já passaram tempo demais temidas e excluídas. E enquanto ficarem ali, vamos seguir tendo dificuldade de fluir na vida. De passar pelas mortes de uma forma melhor e mais construtiva e seguir tentando controlar o impossível. É um alívio quando elas voltam a pertencer. Porque, com elas, volta a nossa memória. A memória de que, de fato, todo dia é um bom dia para morrer, como já diziam os hopis. Ao inclui-las, voltamos a aceitar os ciclos naturais da roda da vida. Voltamos a aceitar o feminino e as deusas em nossa realidade, tão sedenta delas. Tão imersas apenas no mundo do pai e dos deuses ou deus. Uma vida que volta a girar sem medo porque a morte volta a ser familiar e, com ela ao nosso lado, a forma de viver é inclusive melhor.
Todas as antigas tradições centradas na Deusa e no feminino honravam tanto a vida e seu poder de criação e geração quanto a morte, pois entendia-se que não há vida ou renascimento sem a morte. Que não podemos evitar ou pular uma etapa do fluxo da vida e nem querer prolongar algo por puro apego ou medo. “Ao aceitarmos com naturalidade tanto a beleza quanto a decadência do ser, damos o mesmo valor aos poderes sagrados da vida e da morte, vendo as duas polaridades como as portas de entrada e saída do espírito na sua eterna dança espiral.”4 O que traz uma aceitação de todos os processos de mudança da vida. Veja como hoje não conseguimos aceitar o envelhecimento? Como, principalmente as mulheres, passam por procedimentos que colocam inclusive sua vida em risco para não envelhecer. Nem os cabelos brancos ainda são bem-vistos. Eu trabalho com mulheres todos os dias e vejo o quanto ainda há resistência em deixar os cabelos brancos, com a idade chegando, com as mudanças na vida. É um tema ainda cheio de tabus e que carrega muita dor. Nós conversamos muito e procuramos, através das deusas, gerar reflexão para mudança. Porque não é a mesma coisa envelhecer para uma mulher ou para um homem em nossa sociedade e isso é fato.
Vivemos em um mundo que quer dominar e controlar tudo. E esse controle é a opressão do feminino e, junto disso, de tudo que faz parte das tradições do feminino. Queremos controlar a natureza, os animais, as mulheres e a expressão do feminino em nós. Ao fazer isso, não permitimos que o fluxo da vida, que é um círculo sem começo e nem fim, faça seu trabalho. Queremos apenas viver a qualquer custo e chegamos à loucura de destruir tudo, para não morrer e, ao mesmo tempo, matamos tudo e inclusive as possibilidades de viver bem de forma natural e orgânica. Está tudo atrelado. Ao negar a morte, fazemos o mesmo com tudo ao nosso redor e só adoecemos. Estamos cada dia mais doentes sem as deusas escuras, parteiras da morte, podendo exercer seu trabalho de forma louvável e respeitável ao nosso redor.
A pandemia do coronavírus está aqui para nos ensinar sobre isso também. A morte toma proporções absurdas e, ainda assim, estamos tento muita dificuldade em aceitá-la e incluí-la. Veja só como o negacionismo cresceu assim como o pensamento fantasioso. Não respeitamos mais as deusas da morte. Não respeitamos mais a morte. Não respeitamos mais nada porque perdemos a maturidade e responsabilidade com a vida que elas nos trazem. Por isso, vamos nos colocando e colocando o outro em risco, vamos negando a realidade, vamos desmerecendo a vida e a morte vai se tornando banal. Imaginem o que os homens dos tempos primitivos iriam achar disso. Da forma como estamos tratando cada ser humano que se vai e da forma como não estamos contribuindo para que a vida se mantenha? Já parou para pensar nisso?
Isso acontece porque a Deusa ainda não está totalmente vista e incluída. Era e ainda é dela que vem o respeito, as preparações e as diversas formas de se preservar a vida. O feminino que guarda a vida e assim também guarda a morte. “Como parteiras – não somente para os nascimentos, mas também para as mortes – as mulheres reverenciavam a Deusa como a Grande Transformadora, que ao assumir seu aspecto de Destruidora prenunciava também as promessas da Criadora.”5Ser parteira e doula da vida é também ser da morte. “Os antigos rituais funerários – considerados os ritos finais de passagem – visavam tanto a orientação da alma no seu novo caminho quanto o consolo daqueles que choravam na sua partida. A ênfase, no entanto, não era na perda irremediável, mas na preparação do espírito e a sua integração no mundo dos mortos, despedindo-se dos familiares com a esperança de um novo encontro. Assim, aceitava-se a dor com compreensão e sabedoria. Mesmo acreditando na sobrevivência do espírito, não existiam palavras mágicas ou gestos ritualísticos que pudessem retirar a dor pela morte de um ente querido. Por isso, encorajava-se a expressão da dor durante a vigília e o enterro, mas não depois, para não prender o espírito pelas lamentações e saudade.”6
Hoje, muitas vezes, há uma pressa em ficar bem rapidamente e em processar o luto em um ritmo otimizado. Temos que ser produtivos e ter excelência na performance até do luto. Não temos sossego ao mesmo tempo que não temos um rito que nos conduza ao entendimento que precisamos do que aconteceu. E isso, precisa ser respeitado. A Deusa Escura precisa ser respeitada.
E como podemos fazer isso? Bem, há diversas formas de irmos incluindo novamente a morte e as deusas escuras em nossas vidas. A primeira é reconhecer que ela existiu e ainda existe mesmo em uma sociedade patriarcal que faz de tudo para mantê-la enterrada. Precisamos saber da nossa história, pois conhecimento liberta. Então, leia histórias das deusas e acima de tudo, resgate a história delas na sua própria trajetória de vida, por exemplo, lendo O Cálice e a Espada, da Riane Eisler. Segundamente, podemos voltar a fazer o culto aos ancestrais que é o culto dos mortos. É uma bela forma de reconhecer aqueles que se foram e te dar a oportunidade de ir processando o que ficou deles em você e gerar um outro entendimento da partida deles. Culturas que compreendem a morte, geralmente tem um forte culto aos ancestrais.
Uma outra forma que temos de lidar com a morte mês a mês e está a nossa disposição durante a fase da menstruação do ciclo menstrual é durante a lua nova, no ciclo mensal da lua. Ali, ficamos frente-a-frente com as deusas escuras e com a morte. Ritualizar esse momento pode ajudar a compreender e passar por ele de uma forma melhor. Perceba quantas de nós sofremos nesse período. Está tudo interligado: sofremos com as mortes físicas e sofremos com as mortes simbólicas. Já diz um dos princípios herméticos: assim como em cima também embaixo, assim como dentro também fora. Todos os processos irão ajudar, mesmo que pequenos. Aprender a lidar com a menstruação que está correlacionada com a bruxa-anciã (aspecto escuro da deusa), com a lua nova e com o inverno, é começar a aprender a tatear no escuro e olhar para suas próprias questões com a morte e tudo que ela significa.
Você pode fazer anotações na Mandala Lunar para acompanhar sentimentos, sonhos, sensações e questões físicas durante todo o ciclo menstrual, especialmente durante a menstruação. E isso pode ser feito mesmo para quem não tem ciclo menstrual. Basta anotar e acompanhar as suas mudanças durante o ciclo lunar, nas diferentes fases da lua, especialmente na minguante-nova. Os mistérios das deusas escuras estão ali, tentando dialogar e mostrar para nós o que precisa ser revelado. Podemos conhecer os mistérios da morte dentro de nós mesmas o tempo todo. Basta querer.
Outra coisa que precisamos olhar é para a velhice. Seja através das nossas avós e avôs, seja aprender com o inverno (estação e da alma), seja com a passagem do tempo. E hoje, na sociedade patriarcal, vivemos em um mundo que deseja eternamente ser jovem. Estamos, desde pequenas, imersas em um mundo de produtos para rejuvenescer e retardar o envelhecimento. Isso não é estranho? O patriarcado tem obsessão pela juventude, congelar-se no tempo e mascarar todo e qualquer sinal de velhice. Tanto que as mulheres, se não pintam os cabelos, são ditas serem desleixadas, velhas e sem utilidade. Enquanto os homens, aos primeiros sinais de cabelos brancos, já são sexys e charmosos. Não há algo muito errado aqui? A mulher tem que esconder as marcas de expressão e sua idade com uma infinidade de cremes, produtos e até mesmo plástica, enquanto os homens vão cada vez mais, buscando meninas jovens para se relacionar. Por quê? Porque a velha assusta. A velha lembra daquilo que não é verdadeiramente controlável. A velha tira do patriarcado a ideia de que são invencíveis e que podem tudo. Frente à morte, ninguém pode nada. Ou como Barbara Walker diz: “A velhice realmente enfraquece até os mais fortes e a morte vence realmente até os maiores”. E, por conta disso, algo realmente grave acontece em nossa sociedade, principalmente a Ocidental – ninguém prepara a mulher para a velhice. Ninguém ensina essa mulher a envelhecer. Ninguém vai instruindo-a ao longo da vida para essa grande transição e rito de passagem feminino. E com isso, não aprende a desenvolver seus recursos internos, dons e capacidades para entender o processo. Porque são ensinadas a vida toda a retardar e evitar o processo a toda custa. E realmente sai bem caro, literalmente e subjetivamente!
Uma última coisa, é colocar-se em processo de encontro e mergulho na morte através das pequenas mortes aos quais somos convidadas. Para mim, o processo do BodyTalk é um ir de encontro com a morte o tempo todo. Assim, como também é uma terapia bem conduzida. Somos confrontadas com a morte em momentos de proximidade de grandes transformações. Podemos resistir, negar e sair correndo ou podemos encarar, sabendo que estamos sendo guiadas por alguém que, como uma doula ou parteira da morte, nos acompanha em nossos processos.
Procure se expor mais aos símbolos, ensinamentos, perspectivas, rituais, deusas, objetos e pessoas que tragam diferentes perspectivas sobre a morte. O dia que visitei as cavernas do Petar foi uma experiência bem impactante! Quando nos damos oportunidades dessas experiências, somos confrontadas com nosso mundo interno. Quem vem à tona e podemos tomar consciência dos nossos conteúdos internos e trabalhar com eles. Todas as experiências são bem-vindas e importantes. Desde se expor a imagens de deusas, deuses e pessoas mais velhas, para que você se acostume e comece a mudar a forma de olhar. Porque ao final é isso: um olhar diferente. Tudo isso foi e ainda é o que mais me ajuda.
Eu usei como embasamento para este texto dois dos meus livros de cabeceira que são O Livro dos mortos egípcio e O Livro Tibetano do viver e morrer. São duas preciosidades, que sem dúvida, vai abalar seu sistema de crenças! Há práticas de meditação focadas neste tema, por exemplo, e se esta é uma questão difícil para você, traga para sua sessão e converse com seu terapeuta. Estamos todos em desconstrução e ainda temos muito que aprender com a morte e com as deusas escuras. A natureza está tentando nos mostrar o tempo todo, inclusive essa tragédia que é a pandemia que estamos vivendo.
Até quando vamos ignorar o chamado das Deusas Escuras?
Referências:
1. Budge, E.A.Wallis. The book of the dead. The Papyrus of Any. New York: Dover Publications, INC.
2. Rinpoche, Sogyal. O livro tibetano do viver e do morrer. São Paulo: Talento: Palas Athena, 1999.
3. Faur, Mirella. O legado da Deusa. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 2003.
4. Idem 3
5. Idem 3
6. Idem 3
1 Ana Paula Malagueta Gondim é terapeuta certificada de BodyTalk e idealizadora do Devi Shala®️ e do Método Devi Shala®️ de Jornadas da Heroína pelas Deusas, Deuses e pelo Sagrado Ser.
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