Nirvana Marinho (1)
Ao conhecer o BodyTalk como paciente, vivenciei a surpresa do bem-estar contínuo. Revisei crenças difíceis da mente racional, venho observando como se desprendem pouco a pouco e experimentei a força que emergiu para lidar com as decisões que a vida convida – ou impõe, depende do ponto de vista. Naquele tempo, não podia perceber o quanto essas melhorias estavam em relação: autocuidado, mente propositiva e serena e corpo pronto para realizar, decidir. Pouco a pouco, foi ficando nítido o quanto as sessões reverberam em mim, como um todo, sendo minha vida não mais em campos separados – profissão, afetos, família, sexualidade, dinheiro, sociedade – mas uma contiguidade.
Já conhecia os conceitos teóricos da Teoria Geral dos Sistemas, uma das precursoras do entendimento de complexidade e pensamento sistêmico, a partir do doutorado em Comunicação e Semiótica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em meados de 2002. Encontrar uma terapia que tem por base a teoria dos sistemas dinâmicos foi uma surpresa. Na pós-graduação, foi o Professor Jorge Albuquerque Vieira o anfitrião do pensamento sistêmico, cujos livros são extremamente inspiradores e ele é amplamente estudado no campo das artes.
Ademais de toda conceitualização densa, importante considerar que Jorge Vieira parte dos estudos de Mário Bunge (cuja data da publicação referência é 1979), cujos estudos focavam em compreender a ciência em sua complexidade chamada ontologia, ou seja, o que são as coisas, como as define, como
suas ações no mundo desenham modos de compreensão, ou seja, epistemologias. Esse emaranhado conceitual pode ser importante aqui para termos uma visão de como a teoria dos sistemas dinâmicas compõem a base filosófica e científica do BodyTalk.
Jorge Vieira, a partir de Bunge, nos conta em seu artigo “Organização e Sistemas” (2000), que ontologia é o estudo de conceitos – o que é – de substância, probabilidade, acaso, mudança, evento e processo, tempo e espaço, ou seja, questões que observamos na psique tal como se propõe o BodyTalk. Adverte mesmo que utilizamos tais conceitos sem termos parado para pensar o que eles realmente significam, pois isso depende da nossa visão de mundo. Por isso, vale ressaltar como é importante a revisão de percepção que Dr. John Veltheim, idealizador da abordagem, nos orienta quando é necessária uma visão não mais cartesiana, mas sim sistêmica do corpo-mente.
Ver corpo sob ponto de vista cartesiano é distinguir as partes e investir na mecânica de funcionamento, enquanto ver de forma sistêmica é observar as relações complexas entre as partes, às vezes visíveis, às vezes não, às vezes evidentes às vezes confusas ou não racionais, às vezes causais e muitas vezes não tão definidas assim em sua justificativa ou explicação racional, pois operam em níveis mais profundos do corpo-mente.
Jorge Vieira aprofunda ainda mais tais conceitos e torna-se aqui fundamental lembrarmos que, a partir de seu olhar sobre parâmetros sistêmicos, considerarmos que os sistemas observáveis são abertos e que suas propriedades fundamentais assim o estabelecem: segundo sua permanência, diante do seu ambiente, e dada sua autonomia. Isso quer dizer que “todas as coisas tendem a permanecer”; “sistemas trocam energia, matéria e informação com outros sistemas”, portanto o fazem em seus ambientes entrelaçados; e que os estoques armazenados ao longo do tempo se acumulam e criam uma narrativa (ele diz uma característica discursiva). Daí nascem sua função de memória, fundamental ao sistema. O autor ainda falará, neste artigo, sobre os parâmetros evolutivos, dentre eles a complexidade, cuja derivação é a reflexão sobre auto-organização.
No entanto, vejamos, por hora, como tal desenho teórico pode nos ajudar na dinâmica do BodyTalk. Vale pontuar que a teoria geral dos sistemas é uma das teorias sistêmicas clássicas que puderam problematizar as teorias que se seguiram, como a teoria dos sistemas dinâmicos. O que se assemelha aqui é o pensamento sistêmico em questão.
A contribuição fundamental do pensamento ontológico a que se baseia a teoria geral dos sistemas, pautando grande parte do pensamento sistêmico, é olhar os movimentos como sistemas abertos, buscando sua complexidade, pois para permanecer, trocar, armazenar – ter memória e narrativa, os sistemas buscam auto-organização.
Isso seria, justamente, uma das bases fundantes do BodyTalk. No meu entender, esse diálogo interteórico e prático – no pensamento científico atual e este aqui pensamento terapêutico do corpo-mente – é justamente essa compreensão dos sistemas abertos, sua complexidade e auto organização que fazem o BodyTalk ser como é: uma prática de escuta, prezando pela prioridade, observando vínculos e lendo a complexidade vinda do que chamamos de Inato.
Sistemas dinâmicos e BodyTalk
Dr John pontua em vários de seus escritos a relação entre a teoria dos sistemas dinâmicos e o BodyTalk. Vejamos algumas das citações:
No artigo de 2012, “BodyTalk: the journey”, ele cita:
“O sistema BodyTalk é baseado em alguns princípios diferentes que envolvem ciência (inclusive a física), filosofia, técnicas e fórmulas para usar medicina alternativa científica e segura e eficaz. (…) A principal base do sistema BodyTalk básico é a Teoria de Sistemas Dinâmicos. Esse modelo científico existe há mais de 40 anos e é maravilhosamente explicado por cientistas, como Fritjof Capra em seus escritos” (Veltheim, 2012, 279)
“Eu sempre entendi completamente que (…) toda a energia do
universo era uma série ou coleção de matrizes morfogênicas que estão todas inter-relacionadas e interdependentes. Isso significa que o único sistema que faz total sentido para mim é a teoria de sistemas dinâmicos. O autor, Fritjof Capra, tem uma influência profunda no meu pensamento em seu livro, “O Ponto de Mutação”. (Veltheim, 2012, 283)
No livro “The Science and Philosophy of BodyTalk – Healthcare designed by your body” (2013), o capítulo 4 explica sobre “A sabedoria inata” e sua aplicação prática e cita:
“Para facilitar a condução de uma sessão do BodyTalk, é utilizada uma abordagem da teoria de sistemas dinâmicos. Isso significa que um protocolo para o cérebro esquerdo é estabelecido para que todo o conhecimento essencial da função da mente-corpo possa ser consultado, como um blueprint. No BodyTalk SystemTM, esse blueprint é incorporado ao Protocolo de Atendimento que reconhece as informações acumuladas de todos os níveis da mente corporal, desde a anatomia física, os corpos energéticos e a consciência localizada”. (Veltheim, 2013, 45)
No livro, “The BodyTalk System”, o capítulo 4 sobre “Reestabelecer a comunicação”, ele comenta:
“Através da Teoria dos Sistemas Dinâmicos, todos os ramos da medicina alternativa têm o potencial de desenvolver uma estrutura teórica sólida para trabalhar com o corpo como um sistema de energia. A Teoria dos Sistemas Dinâmicos também ajuda bastante a explicar as nuances do relacionamento entre o corpo e a mente, particularmente em relação à cura pela energia. As diversas e controversas descobertas e observações do sistema energético humano são finalmente explicáveis em termos relativos”. (Veltheim, 1999: 23)
Outra maneira de contextualizar Teoria dos Sistemas Dinâmicos é visitar fontes bibliográficas como Fritjof Capra, autor muito citado por Dr. John Veltheim como inspiração para sua visão do corpo-mente, de forma sistêmica. Em “A visão sistêmica da vida – uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas”, Fritjof Capra diz:
“As principais características do pensamento sistêmico emergiram na Europa durante a década de 20 em várias disciplinas. Os pioneiros em abordar o pensamento o pensamento sistêmico foram os biólogos, que enfatizaram a visão dos organismos vivos com totalidades integradas. Posteriormente, ele foi enriquecido pela psicologia da Gestalt e pela nova ciência da ecologia, e teve talvez os seus efeitos mais dramáticos na física quântica”. (Capra, 2014: 93)
Importante ressaltar que a chamada Teoria dos Sistemas Dinâmicos é também conhecida como “teoria dos sistemas não lineares” e é pautada no arcabouço matemático coerente que só foi possível com o avanço da matemática das décadas de 80 e 90. Capra comenta:
“A visão dos sistemas vivos como redes auto organizadoras cujos componentes estão, todos eles, interconectados e são interdependentes tem sido expressa repetidas vezes, de um maneira ou de outra, ao longo de toda a história da filosofia e da ciência. No entanto, modelos detalhados de sistemas auto organizadores poderiam ser formulados só muito recentemente, quanto se tornaram disponíveis novas ferramentas matemáticas que permitiram aos cientistas, pela primeira vez, descrever e modelar matematicamente a interconexidade fundamental das redes vivas”. (Capra, 2014: 134)
A teoria da complexidade surge nesse contexto. Sendo uma espécie de “mãe” do pensamento não linear, filosofia e matemática confluem na compreensão e descrição de relações e padrões de fenômenos não lineares, sobretudo aqueles dos seres vivos. Assim, tornou-se possível uma mudança de perspectiva do próprio pensamento sistêmico.
Assim também parece ser com a terapia sistêmica e integrativa do BodyTalk. Quando o que chamamos de fórmula – de prioridades e vínculos – na prática terapêutica permite a observação da não linearidade das histórias por detrás dos sintomas – é isso que muda completamente a visão de saúde sistêmica e medicina integrativa.
Dada tal contextualização, sabemos que o BodyTalk convida o corpo-mente à observação e escuta de suas prioridades baseadas na sabedoria inata do corpo. E isso tem a habilidade de trazer auto-organização, homeostase, saúde e consciência, o que expande sua complexidade e revela a dinâmica sistêmica que o caracteriza. A questão é: como isso acontece? Compreender como a teoria dos sistemas dinâmicos pode nortear tamanha complexidade no atendimento terapêutico, assim como as implicações desse olhar. Essa é nossa tarefa maior neste artigo.
A observação é uma das chaves da prática do BodyTalk. Conceitualmente apoiada na física quântica, a relação entre observador e observado é, na verdade, a percepção de como se influem mutuamente. É da característica dinâmica dos sistemas a vontade de conhecer seus movimentos, seus fluxos, seus ritmos, suas tendências. Se o sistema é dinâmico e aberto, seus movimentos serão conhecidos a medida em que o sistema se faz ele próprio. Assim, parece ser o corpo-mente em relação ao ambiente e, portanto, de certa forma, o processo terapêutico que o BodyTalk convoca. Observação é uma prática na qual nem prévio julgamento e nem dados a priori estão em pauta, pois é no acontecimento que a sessão se revela.
Dr John Veltheim deduziu que, uma vez uma qualidade de observação dada, o sistema aberto e vivo tende a sua organização não por sequenciar sua complexidade, ou seja, o corpo no BodyTalk não é uma leitura linear; tende a sua organização justamente porque é um sistema dinâmico, ou seja, suas partes não tem uma relação causal – não olhamos o sintoma para determinar um diagnóstico – nem olhamos para o sintoma nele mesmo mas nas suas relações complexas possíveis – ao que podemos chamar das várias técnicas que compõem o sistema integral. O que chamamos de fórmula no BodyTalk é sistêmico porque se revela na medida em que uma prioridade é estabelecida.
Isso nos leva a perceber que uma das peculiaridades do sistema BodyTalk é que a complexidade do corpo está em não diminuir ou elevar nenhuma história que aparece em sessão – não tem nada mais importante do que o vínculo, a relação, as formas de coesão que, se ressignificadas, podem ganhar novas dinâmicas. E uma das características dessa dinâmica é a coerência, ou seja, o que realmente faz sentido, ao que chamamos de consciência. Não é uma mente que ordena o que é mais importante, porque isso seria uma forma de ordenação linear de um conjunto de fatores.
Sistema assim tem a tarefa de nos fazer repensar as relações complexas. Uma das implicações terapêuticas é de considerar a sessão como um sistema complexo, considerar a relação entre terapeuta e paciente com outras variáveis que deixa ambos abertos ao que virá.
Dessa maneira, a dinâmica sistêmica do BodyTalk é, em certa medida, em busca da homeostase, ou seja, do funcionamento do corpo e de suas potencialidades tal como são: nem estagnados na doença, nem apegados a sua história, mas em constante movimento porque justamente são lidos como sistemas abertos e complexos. Isso inclui os seus desequilíbrios como forma provisória de equilíbrio, o que abre uma longa jornada para entender a aceitação vinda do coração. Isso inclui também considerar que seus desequilíbrios não podem ser a submissão à doença ou à crença, mas, ao contrário, é um convite ao enfrentamento saudável.
A principal implicação do BodyTalk ser tido como uma prática sistêmica é justamente a possibilidade de observá-lo em sua complexidade e em constante dinâmica de coerência. Isso que o caracteriza como uma medicina integrativa singular. Saúde, do ponto de vista sistêmico, exige de nós a auto responsabilidade do olhar, da empatia e da atenção plena da mente.
Nirvana Marinho Março 2020
(1) Graduada em Dança (1999, UNICAMP), Doutora em Comunicação e Semiótica (2006, PUC-SP), terapeuta certificada de BodyTalk (CBP, desde dez 2015), atua em São Paulo. Atualmente tem como principais iniciativas e projetos com BodyTalk: estudos para implementação de BodyTalk nas Escolas, Grupo de estudos Mindscape – inclusive voltado a jovens estudantes, idealizadora e parte da Comissão Editorial do periódico sobre BodyTalk “Escuta” com Verena Kacinskis, idealizadora das entrevistas BodyTalkers falando de BodyTalk e pesquisadora da cartografia “BodyTalk no Brasil: cartografia de caminhos possíveis” com Ana Marcela Sarria e Daniele Pires, organizadora das Sessões de Matriz BodyTalk Br (nov 2019-2020) e idealizadora e pesquisadora da atual Estudo de Caso Coletivo sobre Articulações. Em tempo, concluiu seu treinamento para tornar-se Instrutora de BodyTalk Acesso em junho 2020 e é uma das coordenadoras do projeto comunitário BodyTalk Covid. Email: nirvana.bodytalk@gmail.com. Site: www.corpoconsciencia.net.
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(link atualizado em maio 2021) (texto errata de diagramação em dez 21)